Lá pelos anos 2000, a caminho de uma escola onde eu trabalhava, todos os dias eu via uma placa com a palavra yoga escrita bem grande numa escola de yoga. Eu não sabia nada sobre yoga, nada mesmo. Nenhuma amiga praticava, ninguém do meu círculo tinha visitado a Índia, eu não tinha nenhum contato com filosofias orientais, nada, nada. Confesso que não sei como essa palavra, que eu não sabia muito bem do que se tratava, entrou no meu imaginário. A verdade é que criei uma fascinação por ela – nao lembro agora se pelas cores do letreiro, pela imponência do tamanho – e não havia um dia sequer que eu não prestasse atenção nela e não pensasse baixinho: “Quando eu tiver tempo e dinheiro, vou fazer isso daí. Isso deve deixar a pessoa mais calma.” Lembro como se fosse hoje: eu sonhava ser uma pessoa mais calma. Calma para mim era um atributo que não me faria gritar para me comunicar, frearia a minha impaciência e irritabilidade, conteria a minha reatividade. Frustração, desapontamento comigo mesma e arrependimento eram o que eu sentia diante dos meus impulsos reativos. Sabe uma pessoa “esquentada”, como dizem? Sim, sim, eu era dessas. Ser calma, para mim, era não perder meu centro. Um núcleo de calmaria dentro de mim ainda escondido, mas intuitivamente sentido ou sabido, era o que eu queria acessar. Calma, para mim, era a elegância da alma.
Meses depois, ao final da minha primeira aula de yoga – que por sinal não aconteceu naquela escola – eu pensei: “Meu deus, é exatamente isso que eu estou procurando”. Que alongamento, que fortalecimento, que nada. Eu sempre fui meio preguiçosinha para atividades físicas, mas, quem diria, fui encontrar no corpo minha ilha de resgate em dias de mar revolto. Penso que, de alguma forma, minha motivação para o yoga era também o outro. Eu compreendia que responder às situações da vida com calma e ponderação me fazia bem e isso se estendia aos outros ao meu redor, principalmente para o meu filho pequeno e meus alunos adolescentes.
Passados quinze anos com yoga, vou me gabar do meu progresso hahaha. Brincadeiras à parte, o yoga tem pavimentado os caminhos do meu autoconhecimento e tem me ajudado a lapidar a humanidade da minha raiva, minha impaciência, e de tudo mais que possa machucar o outro e, consequentemente, a mim também. O yoga me ajuda a amadurecer emocionalmente e melhora minha convivência. Um dia ouvi Caetano dizer que ele tem dentro de si a ira da justiça. Me identifiquei. Dessa ira eu não quero me desvencilhar para não correr o risco de ser isenta diante das injustiças. Ainda que eu não possa agir diretamente, me cabe ao menos fazer uma prece pelos injustiçados deste mundo.
Então eu te pergunto: você se lembra do que te motivou a começar a praticar yoga? Você tinha clareza dos seus anseios? Das vezes que parou, você sabe o que te fez voltar a praticar? Refletir sobre essas questões nos ajuda a conhecer as nossas necessidades e os nossos valores. E tudo bem se sua busca for manter seu corpo alongado, flexível, saudável. Não é porque a motivação é física que ela é menos legítima. O próprio yoga reconhece a importância de manter o corpo saudável para que ele possa conhecer longevidade e a alma possa se expressar. Quem é feliz num corpo doente? Não é à toa que uma boa parte do sistema de yoga se dedica ao corpo com asanas.
Quem é minha aluna sabe que em todo início de aula eu convido as alunas a reconhecerem uma motivação pessoal para estarem ali. Dentre tantas demandas, por que abrimos mão de atividades e pessoas para estarmos naquele tapetinho? Na sua intenção de cada aula, suas motivações têm sido mais autocentradas ou altruístas? Há espaço para o outro naquilo que te move? Esse exercício de reconhecer nossas motivações também pode se estender para a vida, fazendo a gente se perguntar por que nos dedicamos a tal trabalho, a determinado relacionamento, a tal projeto. É um convite a conduzirmos nossas escolhas de modo mais consciente e sairmos do automatismo da vida cotidiana.
Hoje, minha intenção com o yoga é me fortalecer mantendo tudo o que tenho aprendido. Dizem que conquistar é fácil, o mais difícil é manter. De fato, sim. Não é à toa que muitas pessoas desistem de praticar. Começam, mas não sustentam a constância. Eu tento cultivar em mim o princípio da coerência. Cultivar a intenção de realmente colocar em prática os ensinamentos do yoga e ser uma guardiã da verdade do que eu inspiro nas pessoas. Ser de verdade tem um valor muito grande para mim.
Nossas intenções precisam ser reforçadas com ações.
A ação por si só é cega.
E intenção sem ação não tem potência.
Bora casar ação e intenção no fim de semana que sonhamos viver!
Com afeto,
Ana.
*Ana Paula Cavalcanti é professora de yoga.