Antes de mais nada, o texto contém spoilers, assim existe maior possibilidade de se aprofundar nas construções do filme em questão.
Adaptar algum material já consolidado pelo público não é fácil. Mais difícil ainda é quando se trata de um personagem que já se encontra com duas versões e estabelecido no imaginário popular por quase vinte anos. Spider-Man: No Way Home se coloca na tarefa de não só fechar uma trilogia, mas também estender possibilidades para uma próxima e, se não fosse o bastante, celebrar o (recente) passado cinematográfico do mesmo personagem.
No que se diz respeito a dar continuidade ao universo próprio no qual ele se encontra, o formato ‘’álbum de figurinhas da Marvel’’ ainda é recorrente e excessivamente comercial, faz questão não só de conectar elementos de outros filmes e mitologias dentro daquele próprio (existe uma sequência de ação que parece ter como objetivo não só de mostrar a capacidade do estúdio em produzir efeitos visuais, mas dar um cutucão no público para relembrar a presença do personagem e de suas marcas visuais chave) como também ‘’dar pano para manga’’ para eventuais continuações do personagem chave do filme em si, Homem-Aranha, e também de outros nichos no geral.
Mas em relação ao que o próprio filme aborda para seu desenvolvimento, é notável que a direção de Jon Watts é fraca, carecendo de personalidade, e muitas vezes ilustrando a história da forma mais fácil, segura e eficiente possível. Isso se evidencia ainda mais quando entram em questões elementos característicos que nos remetem ao universo criado e visionado por Sam Raimi, que sabia demaneira muito mais eficiente como conduzir a história com planos mais inventivos, e conseguindo mesclar e adaptar a linguagem das histórias em quadrinhos de uma maneira visual para a tela grande como poucos.
Ainda sobre a direção, é visível como a tentativa de emular a mesma estrutura dramática em uma cena de ação de Raimi por Watts resulta num vazio existencial. Raimi,além de saber construir um contexto com muito mais peso para que complete a dramaticidade visual, sua escolha de planos e ângulos para a ação em si estilizavam a cena ao mesmo tempo em que reforçava o impacto dos socos e chutes. Watts, por sua vez, estimula uma brutalidade pela brutalidade, que além de ser unidimensional em sua natureza, destoa e estranha pela direção em outras cenasna maioria das vezes optar por suavizar demais o seu entorno.
Sobre essa suavidade, a vontade do roteiro e da direção de tentar criar tiradas e piscadelas com humor é excessiva, e em muitas vezes atrapalha quaisquer que seriam tentativas de se desenvolver uma cena que precise de uma carga emocional e dramática para aproximação do público. É como se filmassem um empurrão, e ao verem o rosto do público de preocupação, precisassem reforçar que a sala estava acolchoada. A morte que engloba a frase de ‘’grandes poderes’’ sofre desse mal pela direção não ser clara emocionalmente o suficiente.
E falando sobre ‘’grandes poderes’’, é notável que a construção do arco articulado para atribuir ao personagem do Duende Verde como ‘’a maior força de vilania’’ além de corrida, se sustenta mais pela construção do filme de 2002, embora Willem Dafoe seja excepcionalmente bom no seu retorno (também destacando Alfred Molina como Otto Octavius, que é ainda hoje pontuar em demonstrar diferentes facetas do mesmo personagem).
Mas os holofotes do filme, milagrosamente, estão mirando no tão esperado retorno dos rostos antigos, tanto de vilões quanto de heróis, e são de longe o melhor que o filme tem. Digo milagrosamente pois, desde que existiam rumores, ao mesmo tempo existia o ceticismo sobre essa tática de utilizar nostalgia de muleta. Mas, felizmente, a direção sabe abordar na maior parte das vezes uma sensibilidade que respeita seus legados e ainda os expande (mesmo que de leve).
A química e encontro de Tobey Maguire, Andrew Garfield e Tom Holland rouba a cena e rende (infelizmente somente o terceiro ato) o que o filme tem de melhor, tanto em ação, humor como em drama. Os três apresentam personalidades singulares que os diferenciam, mas que ao mesmo tempo os conectam (e Andrew Garfield, animadíssimo e melhor do que nunca foi).
O público mais fervoroso ainda ganha de presente ao final do filme um norte que talvez seja uma ‘’reparação’’ com a direção que o personagem havia ganhado em seus dois filmes anteriores. Apesar de bonitinho e, para muitos, emocionante, traz o questionamento sobre até que ponto a idealização do futuro sem conteúdo concreto deixa o fã na expectativa sobre um eterno ‘’agora vai!…?’’ em relação ao que se espera sobre uma abordagem do próprio personagem. Foi finalmente o momento do qual a direção parecia tomar um risco concreto, uma relação com amadurecimento (embora tardia, vendo que o primeiro filme de Sam Raimi já concretizava muito desse dilema essencial na construção de um personagem como esse).
Na dúvida, os bilhões pela curiosidade de uma presença nostálgica amigável já garantiram o futuro da franquia.

* Lucas Cavalcanti é estudante de Cinema e Audiovisual da Universidade Federal da Integração Latino-americana (Unila)