“Feminista: uma pessoa que acredita na igualdade social, política e econômica entre os sexos.” (Chimamanda Ngozi Adichie).
Por que a palavra “feminista” é tratada como insulto por uma grande maioria de pessoas?
Quando eu paro para pensar sobre quando foi meu primeiro contato com o termo “feminismo”, a primeira pessoa que me vem em mente é a feminista e escritora nigeriana Chimamanda Ngozi Adichie.
Isso ocorre pelo fato de me lembrar de ter assistido, no início da minha adolescência, sua palestra em uma conferência TED online sobre o perigo de uma história única que havia ocorrido em 2009 e, três anos depois, em 2012, sua outra palestra “Todos Devemos Ser Feministas” (que ela publica posteriormente em forma de livro sob o título “Sejamos Todos Feministas”).
Não me lembro se foi o carisma, a forma que Chimamanda faz sua reflexão sobre o que é ser feminista, ou o fato de eu ter me identificado com diversas de suas falas. Mas senti seu impacto desde cedo.
A palestra de Chimamanda, cuja qual eu assisti e reassisti diversas vezes a medida que os anos passavam e eu ia crescendo, abria meus olhos e ampliava minha visão quanto ao feminismo cada vez mais. Isso porque quando mais velha eu ficava, mais cobranças a sociedade tinha comigo pelo fato de eu ser mulher e mais eu percebia da necessidade do feminismo na minha vida.
Desde nova eu me questionava porque eu não não podia fazer as mesmas coisas que meu irmão, por exemplo. E a resposta “porque ele é menino” ou “porque meninas não fazem isso” nunca foi uma boa justificativa para mim e, por isso, sempre tive essa inquietação.
E eu senti essa opressão ainda mais por fazer parte de uma comunidade árabe/libanesa.
“Mas como assim se sente mais oprimida só por ser libanesa? Isso não existe. Nossa luta é a mesma.”
Vamos lá.
Apertem os cintos que vamos numa viagem cultural.
Esse é um primeiro aspecto na palestra de Chimamanda com o qual eu me identifiquei. Como mencionado anteriormente, Chimamanda é nigeriana e, apesar da Nigéria ser considerada parte da África Ocidental, o país não estava na mesma bolha do ocidente branco. A cultura e as tradições divergiam completamente dos países ocidentais.
Chimamanda então conta como uma estudiosa nigeriana disse-lhe uma vez que o feminismo não era de sua cultura, que não era coisa da África, e que ela havia sido corrompida por “livros ocidentais” e, por isso, se autodenominava feminista. De como quando foi se hospedar em um dos melhores hotéis da Nigéria, o guarda a parou e fez perguntas absurdas porque supôs, automaticamente, que uma mulher sozinha num hotel é profissional do sexo. De quando tirou a gorjeta de sua bolsa e entregou ao flanelinha e ele, todo feliz, olhou para seu amigo que estava lhe acompanhando e o agradeceu. E diversas outras histórias.
Eu me identifiquei com a Chimamanda nesse sentido, como parte da comunidade árabe; espectativas para um casamento, limitações que existem somente para as mulheres, hipocrisia quanto a um mesmo comportamento por ambos os sexos, e outros.
Ou seja, a luta das mulheres africanas, das mulheres negras não é a mesma das mulheres brancas. Assim como a luta das mulheres árabes e orientais, das mulheres trans, das mulheres indígenas, das mulheres lésbicas são todas diferentes.
Isso porque, ao moldar um retrato feminista, é necessário levar em conta, além das opressões de gênero, os aspectos sociais, culturais, raciais, e de classe.
Exemplo simples, as mulheres da Arábia Saudita só passaram a ter direito ao voto em 2015, sendo este o último país a fazê-lo, permissão para dirigir somente em 2018, e foi só recentemente que o país fez uma emenda na lei islâmica que passou a permitir que mulheres solteiras, divorciadas ou viúvas vivam sozinhas sem o consentimento do pai ou tutor masculino, como acontecia até esse ano.
Esses são direitos que grande parte das mulheres brancas adquiriu a um bom tempo atrás (não tempo o suficiente, pensando no relógio histórico, mas ainda sim já foi uma vitória do passado).
Enquanto parte das mulheres luta pela legalização do aborto, outras ainda lutam contra o casamento infantil, e outras pelo direito de ir e vir.
TODA E CADA LUTA É VALIDA. Mas é necessário que haja consciência disso, de que a minha luta é diferente da sua, e está tudo bem. No fim, todas queremos o mesmo: nossa liberdade, nossos direitos, nossa justiça.
O ponto é: as pautas divergem de mulheres para mulheres.
Sendo assim, não podemos falar de um feminismo singular. Como se o feminismo é igual para todas.
Djamila Ribeiro, ativista, escritora, e feminista negra, escreveu o seguinte quando perguntada sobre o princípio fundamental do feminismo: “A gente luta por uma sociedade em que as mulheres possam ser consideradas pessoas, que elas não sejam violentadas pelo fato de serem mulheres. Quando as pessoas entendem que a gente está lutando por justiça social, por equiparação e por equidade, não tem motivo para não ser feminista. Se você é uma pessoa inconformada com as injustiças e com as desigualdades, você é uma pessoa feminista e talvez não saiba que seja. Não tem nenhum bicho de sete cabeças. O que a gente quer, na verdade, é uma sociedade livre de desigualdades e violência.”
Sim, é simples assim.
Se você não aceita desigualdades entre os sexos, se você é contra a diferença salarial de mulheres e homens com exatamente a mesma função, se condena a violência doméstica e o feminicídio, se você não concorda com as condições pré-definidas pela sociedade para os sexos (tais como “lugar de mulher é na cozinha”, “homem deve ser o provedor”, “mulher não fala alto, não xinga”, “homem não usa rosa”, etc.), você é feminista.
Inclusive, é importante ressaltar que o feminismo também liberta o homem de toda a masculinidade tóxica enraizada no patriarcado estrutural.
Algumas vertentes feministas excluem a participação do homem pelo fato dele ser responsável pela opressão das mulheres e, consequentemente, se beneficia dela. Como eles já detém de um privilégio na sociedade já desde seu nascimento, que se desenvolve com eles, os homens não seriam capazes de entender a opressão feminina.
Enquanto isso, outras vertentes defendem a participação masculina e do uso desse privilégio para apoiar a causa. Os homens podem participar nessa luta questionando suas próprias ações e refletir sobre sua forma de pensar, policiar comportamentos e falas machistas de seus amigos, criar seus filhos para serem feministas. Como Chimamanda coloca, “se começarmos a criar nossos filhos de forma diferente, em 50 anos, em 100 anos, rapazes não se sentirão tão pressionados a provar sua masculinidade”.
Desde cedo a gente implementa os estereótipos nas crianças, dando brinquedos como cozinha, bonecas para cuidar, e salões de beleza para meninas. Enquanto isso, damos carros, foguetes, espadas e outros brinquedos violentos para meninos. Acabamos por impulsionar mais o desenvolvimento dos meninos, levando-o a ter altas ambições. Já para as garotas, como aponta Chimamanda, “ensinamos que elas devem ser menos, a querer menos, e dizemos: “Você pode ter ambição, mas não muita”. “Você tem que almejar o sucesso, mas não muito sucesso, ou vai acabar ameaçando o homem”. Muitas vezes por conta dessa pressão, para não parecer “intimidadora”, a mulher desiste de seu próprio sonho ambicioso.
Mas enfim, o importante é lembrar que o protagonismo nessa luta é das mulheres, e não dos homens e, por isso, há de se cuidar quanto ao lugar de fala.
Feministas não querem tirar os direitos de ninguém, mas sim conquistar os seus próprios.
Feministas não querem vingança, mas sim justiça e igualdade.
Se você, como homem, se sente ameaçado pelo feminismo é porque você sabe que é privilegiado e não quer perder essa posição. Por que o sucesso de uma mulher te ameaça tanto?
Se você, como mulher, diz não precisar do feminismo, você precisa precisa abrir os olhos para enxergar a própria opressão. Você tem os direitos que tem hoje porque milhares e milhares de mulheres lutaram por estes.
Chega de associar a palavra “feminista” como algo ruim, como mulheres mal amadas, que odeiam homens e são desleixadas.
Por fim, Chimamanda tem sua própria definição do que significa ser feminista, que “é um homem ou uma mulher que diz, sim, há um problema de gênero como é hoje e devemos consertá-lo, devemos fazer melhor. Todos nós, mulheres e homens, devemos fazer melhor. “
* Marwa Termos – Militante dos Direitos Humanos e das Mulheres, graduada em Relações Internacionais.