Ao falarmos de racismo, homofobia, machismo e xenofobia, imediatamente sabemos com o que estamos lidando.
Mas e quanto ao termo “capacitismo”? Você sabe do que se trata?
O capacitismo refere-se a todo e qualquer tipo de preconceito contra pessoas com deficiências (PcD), que está enraizado na sociedade assim como os outros tipos de discriminação mencionados acima. O capacitismo tem como crença enraizada a suposição de que as pessoas com deficiência precisam de “conserto” e define as pessoas por sua deficiência e nada além disso. Assim como no racismo e no machismo, o capacitismo também classifica grupos inteiros de pessoas como “menos do que”, como inferiores, e inclui estereótipos prejudiciais, equívocos e generalizações de pessoas com deficiência.
A definição da Convenção Internacional sobre os Direitos das Pessoas com Deficiência é a seguinte: “Pessoas com deficiência são aquelas que têm impedimentos de longo prazo de natureza física, mental, intelectual ou sensorial, os quais, em interação com diversas barreiras, podem obstruir sua participação plena e efetiva na sociedade em igualdades de condições com as demais pessoas”.
São diversos os tipos de deficiência; no Brasil, por exemplo, de acordo com o Decreto nº 5.296/2004 essa categorização está divida em: visual, auditiva, mental, física, e múltipla.
A deficiência visual diz respeito a perda ou redução no funcionamento do sistema visual, ou seja, existe a cegueira onde há completa perda da visão ou até pouca capacidade, e a baixa visão, que compromete o desempenho visual dos olhos.
Já a deficiência auditiva é a perda total ou parcial da audição, podendo ser de nascença ou decorrente de alguma doença, exposição prolongada a ruídos, e outros.
Não é de conhecimento geral, porém pessoas com deficiência auditiva tem direito a ter acesso a intérpretes da Língua Brasileira de Sinais (Libras) em órgãos públicos e universidades, sancionada pela lei 10.436/2002, a Lei de Libras. O intuito da lei é assegurar o direito ao atendimento e tratamento adequado para pessoas que sofrem com a perda auditiva.
A deficiência mental diz respeito aos problemas que acontecem no cérebro e causam um baixo rendimento, porém não afetam outras regiões ou áreas cerebrais. Em 1992, o Brasil adotou a definição da Associação Americana de Deficiência Mental (AAMD) para a deficiência mental como “um funcionamento intelectual geral, significativamente abaixo da média, oriundo do período de desenvolvimento, concomitante com limitações associadas a duas ou mais áreas da conduta adaptativa ou da capacidade do indivíduo em responder adequadamente às demandas da sociedade, nos seguintes aspectos: comunicação, cuidados pessoais, habilidades sociais, desempenho na família e comunidade, independência na locomoção, saúde e segurança, desempenho escolar, lazer e trabalho.”.
Outro tipo de deficiência é a física que, segundo o MEC (2004) pode ser definida como a presença de “diferentes condições motoras que acometem as pessoas comprometendo a mobilidade, a coordenação motora geral e da fala, em consequência de lesões neurológicas, neuromusculares, ortopédicas, ou más formações congênitas ou adquiridas.”.
Por fim, temos a deficiência múltipla que, como o próprio nome já diz, diz respeito à junção de duas ou mais deficiências, independente de serem intelectuais, físicas, distúrbios neurológicos, emocionais, linguagem e desenvolvimento educacional, vocacional, social e/ou emocional. As causas da deficiência múltipla podem ser provenientes de fatores que ocorreram durante a gestação, no nascimento ou até mesmo em decorrência de acidentes, intoxicações, tumores, e outros.
Segundo um levantamento do Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE) realizado em 2019 e divulgado no dia 26 de agosto desse ano, 8,4% da população brasileira acima de 2 anos, o que equivale a aproximadamente 17,3 milhões de pessoas, tem algum tipo de deficiência. Quase metade dessa parcela (49,4%) é de idosos. Na faixa etária acima de 60 anos, a proporção é de uma a cada quatro pessoas com algum tipo de deficiência.
Outro ponto em que a desigualdade se destaca é quanto ao nível de escolaridade. Em torno de 68% da população com deficiência não tem instrução ou não possui o ensino fundamental completo.
Quanto ao mercado de trabalho, a Lei de Cotas (art. 93 da Lei nº 8.213/91) estabelece que empresas com 100 ou mais empregados preencham uma parcela de seus cargos com pessoas com deficiência. A reserva de vagas depende do número total de empregados que a empresa tem, sendo esta de 2 a 5 porcento.
Existem inúmeras formas de acessibilidade. Uma delas é a arquitetônica, no que diz respeito a presença de rampas em todos os estabelecimentos, piso tátil, banheiros e elevadores adaptados, placas e menus em braile; ou seja, a erradicação de barreiras ambientais físicas em todos os diferentes tipos de ambientes.
Outro tipo de acessibilidade é a pedagógica, que nada mais é do que a ausência de barreiras nas metodologias e técnicas de estudo, relacionando-se diretamente à forma como os professores concebem conhecimento, aprendizagem e avaliação.
Nota-se essa acessibilidade metodológica nas salas de aula quando os professores promovem técnicas de diversificação curricular, flexibilização do tempo e utilização de recursos para possibilitar a aprendizagem de estudantes com deficiência, tais como pranchas de comunicação, impressão e ampliação de textos e exercícios, softwares ampliadores de comunicação alternativa, leitores de tela, entre outros.
São duas as datas comemorativas quanto as PcD, sendo elas o dia 21 de Setembro, o Dia Nacional de Luta de Pessoa com Deficiência e 03 de Dezembro, Dia Internacional das Pessoas com Deficiência.
No Brasil, a data foi oficializada no dia 14 de julho de 2005, através da Lei Federal nº 11.133, sendo resultado da ação do Conselho Nacional dos Direitos da Pessoa com Deficiência. O dia foi escolhido devido a sua proximidade com a primavera e o dia da árvore, representando o nascimento das reivindicações de cidadania e plena participação em condições igualitárias.
E em relação ao termo correto para se referirmos a estas pessoas?
Usar o termo “deficiente” ou “portador(a) de deficiência” ou “portador(a) de necessidades especiais” é errado.
O termo correto é “pessoa com deficiência”.
Isso porque, como adotado pela Convenção sobre os Direitos das Pessoas com Deficiência (ONU, 2006), principal referência internacional sobre esse assunto, a deficiência é resultante da combinação entre dois fatores, sendo estes os impedimentos clínicos que estão nas pessoas (físicos, intelectuais, sensoriais, e outros) e as barreiras que estão ao seu redor (na arquitetura, nos meios de transporte, na comunicação e, acima de tudo, na nossa atitude).
Ou seja, a deficiência é uma condição social que, a medida que vamos eliminando barreiras físicas e sociais, pode ser minimizada.
Além disso, é necessário tomar cuidado com microagressões, que são expressões verbais ou comportamentais do dia a dia que comunicam um desprezo ou insulto negativo em relação à identidade de gênero, raça, deficiência, e outros.
No caso de deficiência expressões como: “você é tão retardado”, “vou me fazer de surdo”, “essa pessoa é louca”, “não tomou seus remédios hoje ou o quê?”, “você está agindo de forma bipolar hoje”, “é como um cego guiando outro cego”, “posso orar por você?”, e talvez um dos mais incômodos que é “eu nem penso em você como um deficiente.”
Frases como as mencionadas implicam que uma deficiência é inferior, de que a deficiência é ruim, negativa, e um problema a ser resolvido, ao invés de uma parte normal e inevitável da experiência humana.
Diversas pessoas usam as expressões sem o intuito de insultar, muitos possuem boas intenções, porém mesmo comentários e ações bem intencionados podem afetar seriamente seus destinatários. Por isso da necessidade de estar constantemente abrindo espaço para debater sobre o assunto.
É preciso enxergar a deficiência como um fenômeno social e não somente do corpo individual, pois esta vem carregada de barreiras sociais estruturadas no sistema em que vivemos.
Há de se dar visibilidade e oportunidades para pessoas com deficiências. Educar a sociedade para quebrar tabus, ensinar, e evitar a propagação de preconceitos, lembrando sempre de ter respeito e empatia.
Nos dias atuais, mais do que nunca, não basta não ser capacitista.
É preciso que seja anticapacitista.
Marwa Termos – Militante dos Direitos Humanos e das Mulheres, graduada em Relações Internacionais.