Lucas Cavalcanti: Videogames – arte ou mero passatempo?

“Ninguém, dentro ou fora do campo, jamais foi capaz de citar um jogo digno de comparação com os grandes poetas, cineastas, romancistas e poetas”. Assim apresentava o já falecido crítico de cinema Roger Ebert sua opinião sobre jogos de videogame. É até compreensível se olharmos sua idade diante do que ele viu em vida sobre a mídia (faleceu em 2013, com 70 anos). Portanto, muito provável era que tivesse como referênciaalgum jogo arcaico dos anos 70 ou 80 como ‘’pong’’.

O jogo ‘’Pong’’ (1972)

Por sua vez, como diz o crítico Pablo Villaça em sua crítica do jogo ‘’The Last of Us’’ (2013): ‘’ Qualquer obra criada por um humano (ou uma equipe) que vise provocar uma reação emocional/psicológica em outras pessoas é, por definição, Arte.’’. Ele ainda cita: ’’– e certamente podemos abordar a questão da autoralidade em um jogo criado dentro de um conceito industrial (como no próprio Cinema), mas descartar seu valor intrínseco é algo que só pode ser fruto de puro preconceito.’’

É fato que videogames são uma mídia de nascimento muito recente (se o cinema, que nasceu no final de 1800, já é considerado recente quando comparado com a literatura ou pintura, quem dirá algo que nasceu em meados de 1950). E apesar de pequeno em idade, vem sempre demonstrando uma evolução visível nos conteúdos que apresenta.

O salto da quarta geração de consoles para a quinta geração nos anos 90. Os pixels agora davam lugar aos polígonos, que criavam ambientes em três dimensões no lugar de duas, mudando completamente a perspectiva do jogador.
Rotação do personagem Crash Bandicoot, feita por Charles Zembillas em 1996.

Uma coisa em comum com o cinema é a parte artística na área de criação. Constantemente mundos e personagens são criados com as mais diversas influências de direção de arte e fotografia, que utilizam sabiamente de cores, luz e sombra para definirem a personalidade e o tom do jogo que estiverem construindo.

Uso da paleta de cores para diferenciar dia noite no mesmo ambiente. .
Do lápis para polígonos, a criação do personagem ‘’Dingodile’’ para o jogo Crash Bandicoot: Warped (1998)

Porém, apesar dos jogos beberem muito de fontes vindas do cinema , existe ainda um fator diferencial dessa mídia: a capacidade de colocar o jogador imerso nos eventos do jogo.

Um exemplo prático: jogos de terror (especialmente de zumbis) me causam muito mais medo e tensão a ponto de tentar me impedir de continuar jogando. O mesmo não ocorre quando se assiste a um filme do mesmo gênero, vendo que o filme se desenrola independentemente da disposição psicológica do jogador. Por mais tenso que eu estivesse quando joguei o já citado aqui ‘’The Last of Us’’, meu interesse para descobrir o final da história era tamanho que o medo acabou sendo superado.

O maior responsável pelos meus pesadelos de infância (e imagino que de muita gente também.)

Mas a verdade é que os jogos têm a sua própria lógica de funcionamento, e como já defendido por Thais Weller em seu texto sobre a mesma pauta para o site ‘’Vice’’, essa discussão de os jogos ‘’serem arte’’ nada mais é do que uma rotulação e até mesmo castração da mídia, pois sequer aproveitamos o que ela tem de único e, ao invés disso, ficamos tentando enquadrá-la em embalagens para que somente assim atinja o tão cultuado status de ‘’arte’’. 

O ideal a se fazer é aproveitar esse conteúdo e usufruir do que puder e quiser, acompanhando sua evolução naturalmente. Obviamente, com o tempo, encontraremos muitas opções ruins, mas são as boas que devem ser exaltadas, assim como em todas as mídias. 

O significado de ‘’arte’’ já foi discutido e enquadrado muitas vezes, e é surpreendente que mesmo 100 anos depois de Duchamp ter exposto um urinol numa exposição de arte, ainda permanecemos perdendo tempo com a mesma discussão.

* Lucas Cavalcanti é estudante de Cinema e Audiovisual da Universidade Federal da Integração Latino-americana (Unila)


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