* Por Milton César Tomba da Rocha
No dia 21, a oposição apresentou pedido coletivo de impeachment de Jair Bolsonaro.
O pedido tem 146 autores, dentre eles os advogados curitibanos Mírian Aparecida Gonçalves e Wilson Ramos Filho (Xixo), o ex-Senador Roberto Requião e os três deputados federais pelo PT.
São listadas como causas do pedido as seguintes condutas do presidente:
a) apoio ostensivo e participação em manifestações de índole antidemocrática e afrontosas à Constituição;
b) grave violação ao princípio republicano e ao mandamento constitucional da impessoalidade no exercício da administração pública;
c) atuação e pronunciamentos temerários e irresponsáveis, de caráter antagônico e contraproducente ao esforço do Ministério da Saúde e de diversas instâncias da Federação vinculadas ao Sistema Único de Saúde (SUS) e aos serviços de prevenção, atenção e atendimento médico-hospitalar à saúde da população, em meio à grave disseminação em território nacional da pandemia global do novo coronavírus (Sars-Cov-2), causador da doença denominada COVID-19.
Apresentado o pedido, cabe ao Presidente da Câmara dos Deputados aceitá-lo ou não. Aqui é importante observar que, tradicionalmente, tal ato é discricionário, ou seja, não há obrigação de manifestação daquela autoridade, embora esteja em trâmite no STF ação discutindo tal postura em outro pedido de afastamento do presidente.
Entretanto, o objetivo do presente texto é analisar as condições políticas do momento no que diz respeito ao pedido.
É lugar comum dizer que o andamento de um processo de impeachment requer a combinação de quatro fatores: crime de responsabilidade praticado pelo presidente, relação desgastada com o Congresso Nacional, recessão econômica e povo na rua.
O primeiro fator, se não existir, pode ser inventado como foi no caso da Presidenta Dilma Rousseff. Ao fim e ao cabo o que conta mesmo são os três outros fatores.
No caso do atual presidente, os crimes de responsabilidade já passaram de dez, tendo como base informações do jornalista conservador de direita Reinaldo Azevedo. A peça apresentada pela oposição, representada no âmbito partidário por PCdoB, PSOL e PT, é até parcimoniosa no apontamento dos crimes por ele praticados.
Assim, o primeiro fator, porém não mais importante do ponto de vista prático, está colocado para que o processo de impeachment tenha seguimento.
O segundo fator – relação desgastada com o Congresso Nacional – também está presente, em termos.
Na verdade nunca houve uma relação, republicana, entre Presidência da República e Congresso Nacional.
No início do governo, imbuído de uma visão lunática e messiânica do exercício do cargo, o presidente afirmava que governaria sem o Congresso Nacional. A reforma da previdência, verdadeiro presente para seu governo, foi feita apesar da indiferença com que a Presidência da República tratou do tema.
Desde o início das manifestações conduzidas por lunáticos, golpistas, fascistas, ou seja, pessoas sem a menor condição de viver em sociedade, os presidentes das casas legislativas e membros do STF são atacadas de forma covarde e rasteira, tendo o presidente mantido posição, ora de silêncio, ora, em maior número, de apoio, velado ou ostensivo, a tais manifestações.
Recentemente, premido por possível abertura de processo de impeachment, resolveu o presidente buscar apoio no chamado Centrão, grupo informal de congressistas, formado em sua maioria por deputados, que fornece apoio ao governo de ocasião em troca de cargos e emendas, embora não se possa dizer que tal movimento do presidente signifique o estabelecimento de relação civilizada e republicana com a Câmara dos Deputados e com o Senado Federal.
A terceira condição para o impeachment – recessão econômica – já bate às portas, com previsão de encolhimento do PIB em até 5% para este ano.
Embora negado pela equipe econômica, é fato que a recessão aconteceria ainda que não houvesse a pandemia causada pelo coronavírus e a consequente paralisação da atividade econômica.
O último fator para desencadear o processo de cassação do presidente – povo na rua –, ainda que haja pessoas dispostas a ir para a rua manifestar-se neste sentido, não ocorrerá neste momento dada a impossibilidade de concentração de pessoas.
Curiosamente, dada a negação da gravidade da pandemia pelo presidente e seus apoiadores, é bem provável que a abertura de um processo de impeachment neste momento colocaria, talvez, milhares de pessoas nas ruas para defendê-lo.
Dentro deste contexto é louvável e necessária a iniciativa da oposição de apresentar o pedido. Elaborado de forma magistral pelos advogados Mauro Menezes e José Eymard Loguercio, assinado por diversas personalidades do mundo jurídico, acadêmico, político e de militância popular, o pedido é apresentado em momento crucial da história político-institucional do país, não cabendo, nas palavras do Ministro Rogerio Schietti Cruz, silêncio obsequioso.
Porém, dificilmente o pedido será aceito pelo Presidente Câmara Rodrigo Maia, que já afirmou, em mais de uma ocasião, não haver clima para análise de um pedido de cassação do presidente.
O motivo por ele alegado faz sentido: o país, diante da grave crise sanitária que enfrenta, caminhando para uma grave crise econômica, não suportaria um processo de impeachment, ainda que rápido, com todas as consequências, dentre elas a paralisação da máquina pública, que acompanham o desenrolar do processo.
Mas há outro motivo, talvez não tão explícito, mas certamente o principal a impedir que Rodrigo Maia dê andamento a qualquer um dos pedidos de impeachment que lhe chegaram às mãos.
No desenho constitucional brasileiro a abertura do processo de impeachment necessita do voto favorável de 2/3 dos membros da Câmara dos Deputados, ou seja, 342 votos. A contrario sensu o presidente precisa de 172 votos para evitar a abertura do processo. Mais que isso, ele não precisa dos votos de 172 deputados, bastando que este número de parlamentares simplesmente não compareça à sessão de votação.
Assim, qualquer presidente da Câmara dos Deputados, com experiência político-legislativa, e Rodrigo Maia tem-na, não coloca em votação um pedido de impeachment sabendo que haverá sua rejeição, pois isto fortaleceria politicamente o presidente ameaçado com a abertura do processo de cassação.
A pergunta que o leitor talvez esteja fazendo é por qual motivo o presidente Jair Bolsonaro, considerando o desastre que vem sendo seu governo, ainda teria o apoio de 172 deputados, suficiente para barrar seu processo de impeachment.
A resposta parece estar no seu abraço, imagina-se que hétero, ao Centrão, grupo de políticos acima mencionado.
Mas talvez existam outros motivos, passando, como é de se esperar, pelo famigerado grupo.
É fato que boa parte dos políticos brasileiros faz da atividade política um negócio, às vezes lícitos, às vezes ilícitos.
Desde a famosa rachadinha (famiglia Bolsonaro), passando pela venda do apoio ao Executivo (Operação Fim de Feira em Araucária), até a obtenção de informações privilegiadas para alavancar negócios já existentes, e às vezes lícitos, existem políticos que fazem negócios a partir de sua atividade política, o que explica os enormes gastos de campanha, o que aos olhos do leigo não faz sentido, pois em subsídio aquele valor jamais retornará aos bolsos do candidato eleito.
E o governo de Bolsonaro, seja pela concepção de mundo de boa parte de seu ministério, seja pela incompetência de parte considerável dos ministros, o que ofusca o trabalho dos poucos que, malgrado o viés ideológico, são competentes no que fazem, ainda não permitiu aos negocistas travestidos de políticos a realização dos negócios que esperavam/esperam fazer a partir de seus cargos.
Já encaminhando para a conclusão, cito apenas um exemplo de como a incompetência e a inabilidade do governo federal ainda não permitiram a realização de grandes negócios por deputados federais que utilizam o mandato para alavancar seus negócios ou iniciar “novos empreendimentos”.
Há intenção do governo federal de vender imóveis de sua propriedade, tanto da administração direta quanto da indireta. Em Curitiba há três deles: o imóvel da AABB no Tarumã, o imóvel do INSS no Ahú e o imóvel da AGU no Cabral. Acredita-se que os três imóveis valham juntos 50 milhões de reais.
É claro que o parlamentar paranaense que se tornar o “padrinho” de tal operação de venda dos referidos imóveis fará um grande negócio, eventualmente lícito.
Se pensarmos que há no país vários imóveis que o governo pretende vender, não fica difícil entender o motivo pelo qual diversos parlamentares, dos mais diferentes partidos, não votariam a favor do processo de impeachment neste momento. Ainda têm muitos negócios a fazer.
Ainda é de se considerar que o governo, à medida que vai enfraquecendo politicamente, tanto no âmbito interno quanto externo, vai necessitando, cada vez mais, de apoio de uma base mínima no Congresso Nacional, muitas vezes para aprovar um simples rearranjo orçamentário. Governo fraco rima com Centrão Forte, de forma que o preço para obtenção do apoio deste grupo vai ficando cada vez mais caro. Como o governo ainda tem muitos cargos e negócios para oferecer, a tendência é que este grupo “estique a corda” por muito tempo, pelo menos enquanto tiver o que sugar do Estado.
Assim, levar qualquer pedido de impeachment à votação nos próximos meses, a não ser que algo de muito grave aconteça (a divulgação da fita da horrorosa, “divertida” e humilhante para Sérgio Moro reunião do dia 22 de abril não possui a gravidade necessária), significa fortalecer Jair Bolsonaro, que, com a desfaçatez habitual, atribuirá a sua vitória na Câmara dos Deputados à mobilização de sua base, tanto nas ruas, já que não acredita no contágio, quanto virtual, já que dispõe de milhares de robôs para impulsionar suas postagens.
Milton César Tomba da Rocha.
Advogado especializado em Direito Eleitoral. Procurador-Geral da Câmara Municipal de Mandirituba-PR.
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