há 40 dias não posso abraçar meus pais por medo que eu leve para a casa onde eles estão isolados uma doença que pode os matar.
quando antes imaginamos uma quarentena global?
um vírus, invisível, mas capaz de afogar nossos pulmões e os pulmões de quem amamos e de quem nem conhecemos, acabou com nossa vida. colocou nossas regras de convívio em xeque. transformou o neurótico extremo em normal. nos tirou o direitos básicos como o de ir e vir e o de estar onde quisermos estar.
a gente tenta ler um livro e não consegue.
a gente está ansioso.
nosso alento é ir ao mercado e comprar comida.
a gente tem medo de colocar o dedo no botão do elevador. a vida virou um inferno.
eu estou ilhado dentro de uma cidade. não há voos. não há ônibus. não é razoável chegar ou sair.
há 40 dias não posso abraçar meus pais por medo que eu leve para a casa onde eles estão isolados uma doença que pode os matar. há 40 dias eu não posso trabalhar, ao menos não como há 20 anos eu trabalho. tudo acabou. tudo vai ter que mudar.
meus amigos existem apenas online, nessa massa dantesca de lives que é a internet. eu nunca odiei tanto a internet.
nossa sensação de liberdade era falsa, eu sei, sempre foi. agora ela nem mais existe.
a nossa vida como conhecíamos há alguns meses acabou por completo. outras regras irão valer depois dessa pandemia. a economia vai ter que mudar, assim como as relações humanas. o Estado vai ter outro papel.
ao final, até a falácia do liberalismo, que era a bandeira de alguns, terá sido exterminado. o mundo “livre” será mais pobre, com mais fome. nosso pesadelo de infância, a tal 3ª guerra, enfim chegou.
eu acredito ou quero acreditar que em poucos meses a vida voltou. não ao normal. não há mais normalidade como havia, talvez outra normalidade, uma nova. mas a vida vai voltar. quando voltar, os significados serão outros.
e eu queria escrever um texto mais positivo, mais otimista, mas hoje me dei o direito de assumir que estou triste com tudo isso.
o mundo como o conhecemos acabou.
espero, ao menos, ter conseguido preservar ao máximo minha saúde mental.

* luiz henrique dias
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